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Ela fez 1.500km de bike em 3 dias e levou a prata no Race Across the West


Quando falamos sobre Esporte Amador não podemos deixar de falar sobre dois assuntos: Amor pelo esporte e por desafios. Entrei numa fase da minha vida esportiva que distâncias curtas ou longas, dentro do Triathlon, já não estavam mais fazendo sentido para mim.

Loucura?

Prepotência?

Não sei ao certo... Só sabia mesmo que minha mente pedia mais.

Ironmãe Rose conqista a prata no RAW

Minha paixão pelas bikes e estradas sempre ficaram explícitas e uma vontadezinha...escondida lá no fundo, veio à tona. E porque não participar da prova mais difícil do mundo de Ultraciclismo?

O Race Across America.

Foi aí então que tentei me inscrever. Mas a frustração veio logo de cara: “Não permitimos atletas solos participarem pela primeira vez dessa prova.” (Recalculando rota rsrs) Bora mudar os planos. Pesquisando na internet, descobri que, juntamente com o RAAM, havia uma outra prova mais curta, no mesmo dia, mesma estrutura, porém os atletas fariam os primeiros 1.500km iniciais do percurso com 15.000m de altimetria, o Race Across the West. Bingo!

Em janeiro de 2019, dei o start para os treinos, foram exatamente 5 meses insanos, doloridos, inovadores e malucos da minha vida. Primeiro planejei com meu técnico quais treinos e provas faria. Me inscrevi para os Audax Randonneurs que são de longas distâncias. Fiz 200km, depois 300km, 400km e cheguei nos 600km com 7500m de altimetria. Foi uma excelente programação e teste para o RAW.

A gente fala tanto que conciliar a vida pessoal, familiar e profissional é tão difícil para treinar para o Triathlon, agora imagina você mudar a sua rotina e de sua família? Acordar na madrugada para fazer rolo na sala de casa, dormir a tarde sendo que seus filhos querem sua atenção, sair de casa às 3 horas da manhã para ir pedalar e voltar somente às 21 horas, de noite durante meses. Não contente com tudo isso, eu sabia que ia mexer também na vida de meus staffs. Reuniões, planejamentos, tirá-los de casa, de suas famílias e trabalho, dias e dias enclausurados quase uma participação no Big Brother, dormindo mal, comendo mal. Eles não se conheciam. Tivemos brigas, discussões, choros. Tivemos abraços e beijos, quase tivemos sessões de enforcamento coletivo, mas estávamos juntos. E eu, a todo instante, carregava comigo um sentimento de culpa, por estar lá, por deixar meus filhos em casa, por ter levado essas pessoas comigo naquela roubada, que fiasco!

Ironmãe no deserto durante a RAW 1500km em 3 dias

Passamos por desertos quentes, imensos e sem vida, 53 graus na cabeça e uma secura surreal, montanhas e mais montanhas gigantescas a todo instante te esperando como se fossem leões famintos. Retas intermináveis que te faziam sentir saudades das subidas... Confesso que teve uma hora que coloquei meu Garmin para apitar de 1 em 1 quilômetro e eu fazia questão de agradecer a Deus por aquele quilômetro percorrido. E por falar em montanha, a subida para a cidade de Flagstaff é a mais temida em todo o percurso. São 50km subindo que, juro, achei que iria para no céu! Demorei apenas 10 horas para chegar no topo daquela montanha. Estava com 3300m de elevação e lá em cima, como se não bastasse toda aquela dificuldade da subida e falta de ar, a floresta estava com queimada!

Meu Deus!

Era uma fumaceira só, parecia que estavam defumando o Planeta Terra. Ali eu tinha a impressão que o Zé Colméia sairia do meio da mata e me ofereceria um sanduíche (rsrs).

Sem contar com a briga ininterrupta com o sono. Ah! Gente... vamos valorizar a cama nossa de cada dia. Vamos agradecer à Nossa Senhora dos Lençóis Fofinhos por tê-los. Eu dormia 1 hora e meia, 1 hora, 15 minutos... no chão, na cadeira, num colchão inflável, em qualquer lugar, o que tinha para aquele momento. Lembrando também que a gente nunca quer que aconteça algum problema mecânico, mas acreditem, eles existem! Quando eu estava com aproximadamente 700km de prova, o câmbio traseiro da minha Road quebrou, ele simplesmente travou e imaginem, estava numa subida... Eu só tinha duas opções: parar a prova ali ou pegar minha TT e subir aquela montanha desgraçada (nessa hora você já está xingando até o mosquito que passa do seu lado rsrs). Minha determinação e foco me fizeram subir na outra bike e fazer uma força astronômica que, confesso, não sei de onde veio! E eis que Deus, lá no topo dessa montanha, colocou em nossa vida o Evânio, um mecânico brasileiro que, muito solícito, nos ajudou. Ele fez de duas bikes, uma. Ele estava lá com outra equipe e, enquanto seu atleta não chegava, pôde resolver o problema para nós. Pasmem! Esse trâmite todo durou 6 horas, entre monta e desmonta, achar qual o problema...

Foi tenso!

Nisso eu já estava no último lugar entre as meninas do solo. E aos poucos retornamos para o jogo. Passa uma, passa outra e assim fomos.

Quer saber qual foi a parte mais difícil pra mim na prova?

Foi nele... nos 1100km... e sabe onde estávamos? Numa Time Station que era um Mc Donalds hummm (já conto a parte do Mc). Paramos na TS e meu marido me colocou dentro do carro, ligou o ar condicionado, olhou nos meus olhos e disse: “Você está desconfigurada!!! Não precisa disso. Não quero mais que termine essa prova, você não precisa provar nada para ninguém, não será uma medalha que mudará sua vida.” Olhei para ele, que também estava desconfigurado e castigado pelo forte calor e disse: “Vou pensar e te respondo, me deixe aqui sozinha por favor.”

Sabia que ele estava falando aquilo para mim com amor, ele me via como sua esposa, mãe de seus filhos e não aguentava mais me ver naquele sofrimento. E refleti... Pensei: “O que eu estava fazendo ali?”, “Você não precisa disso.” Mas também pensei em todos os Patrocinadores que acreditaram em mim, nas mensagens de texto e de vídeo que recebi de muita gente, pessoas que nem sequer me conhecem, de pessoas comuns e de famosos, pensei nos meus filhos. Lembrei de pessoas que, nas redes sociais, me dizem que meus treinos e incentivos fortalecem a eles e que continuavam a seguir em frente por minha causa. Eu não tinha noção do quanto sou importante para as pessoas! 😊 Pensei que se eu tomasse a decisão que meu marido queria, não seria a minha e eu não estava preparada para dar desculpas. E pensei em algo que me disseram uma vez que, na hora, não teve tanta relevância mas que foi de extrema importância naquele momento.

Ironmãe Rose durante a RAW. Alimentação em ação.

Bruno Chinarelli (Técnico) Alimentando sua ultra atleta em ação.

Em um certo momento, uma pessoa me falou: “Se você não terminar essa prova o que meu filho vai pensar de você? Vai achar que a IRONMãe é uma fraude!” E todos esses pensamentos me deram força para sair daquele carro, entrar no Mc Donlads e reunir minha equipe. Falei para eles se servirem de um lanche bem gostoso, pegarem o que quisessem. Quando todos já estavam alimentados e felizes (rsrs fome causa mau humor) disse: “Estamos em dois carros. Quem não tiver capacidade física e emocional para terminar essa prova, por favor, entre em um carro e me espere na linha de chegada.” Todos foram categóricos em dizer que estariam ao meu lado, para o que der e vier até o fim. E, a partir dali, desse episódio marcante, demos o start na nossa prova, faltando apenas 400km. Sentimos que a energia se renovou, a equipe estava mais entrosada e tudo começou a fluir melhor. Naquele trecho saimos do Arizona e entramos no Estado americano de Utah.

Pensa numa cena onde você acredita que só exista em filmes Hollywoodianos? Pois era justamente lá que estávamos, sentíamos inseridos no filme do “MacQueen”, da “Priscila - A Rainha do Deserto” ou então no clássico “Os Brutos também amam”. Que visual! Que lugar incrível! E todo esse clima nos contagiou. Minha equipe colocou música para ouvirmos, todos estavam mais animados. Começamos a fazer menos paradas, fazíamos apenas o necessário e seguíamos em frente. A energia se renovou!

Foi então quando avistamos a segunda colocada, uma Suíça, que era uma das favoritas ao título de campeã. A tremedeira na perna tentou me dominar.

Sabe, não é tão fácil assim ultrapassar uma adversária. Mas criei coragem e fui. Ultrapassei ela na subida e a partir desse momento não perdi mais a posição. Estávamos na última subida da prova, a montanha que nos levaria para a cidade de Durango, no Colorado. Era noite, já madrugada e eu iria enfrentar o meu pior adversário, o frio.

Nossa! Eu sofri! E como sofri!

Na descida peguei 2,5 graus e minha vontade era de parar. Mas eu já havia passado por tantas coisas, tantos problemas que não podia deixar o frio estragar meu sonho. E fui pensando mais uma vez em coisas boas e o quanto a dor da vitória é melhor do que a dor da derrota. Deveria ser aproximadamente umas 5 horas da manhã quando eu e minha equipe cruzamos aquela linha de chegada.

Nessas horas passa um filme por sua cabeça e, ao mesmo tempo, você não consegue pensar em nada. Queria me aquecer e dormir mas a alegria e a emoção tomaram conta de mim.

IRONMãe Rosecler Costa com seu marido e equipe comemorando a grande conquista.

Eu sempre me questiono o quanto cruzar a linha de chegada é mágico! Parece que seu corpo é programado para desligar naquele risco, no chão. Não sabia o que pensar, o que dizer, por onde passei. Não sabia nem como cheguei ali. Sabe, as pessoas dizem para mim: “Parabéns! Você é do outro mundo, como consegue fazer tudo isso?” E eu respondo que é só querer e que essa pessoa que me falou também seria capaz de fazer, caso ela quisesse.

Esses dias li um artigo na Revista Marie Claire da jornalista e atleta Natália Leão, que traduziu em palavras tudo o que estava sentindo e acontecendo atualmente em minha vida. Falava sobre a Síndrome da Impostora que, acreditem, é uma constante no esporte amador feminino. A tal síndrome faz com que a mulher não confie em sua capacidade, por mais que ela receba elogios, ela não se acha merecedora de tal feito. Ela acredita que o sucesso veio por acaso. Comecei a perceber que isso acontece comigo.

Por isso, revisando meu texto por várias vezes me pergunto:

“Quanto vale o amor pelo esporte? Será mesmo que fui capaz de realizar tudo isso ou sou uma fraude?”

Não!!!! Isso é real...

Eu fiz, eu sobrevivi, eu fui e serei capaz sim!

Cada quilômetro é um quilômetro, cada pedalada é uma pedalada. Não importa a velocidade que fiz ou quantos dias demorei para fazer. Não importa se recebi a medalha de ouro, de prata ou de participação, o que vale mesmo são minhas vitórias e conquistas, essas sim, são reais.

Portanto, seja por amor, desafio ou diversão, a superação no esporte vale a pena.

IRONMãe Rosecler Costa

1X Race Across the West 1500km Campeã SulAmericana de Ultraman 10X Ironman Finisher Mãe,Empresária e com um Propósito de Vida

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